14 de abr. de 2007

LÍLITCHKA! - MAIAKOVSKI

Em lugar de uma carta

Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto -
um capítulo de inferno krutchônikh.
Recorda -
Atrás desta janela

pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração - aço.
Um dia mais
e me expulsarás,

talvez, com zanga.
No teu "hall" escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo ,
lançarei meu corpo à rua.

Transtornado,
tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor,
meu bem,

digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.

Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor

para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
afora o teu amor

para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,

mais a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.

Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,

e os dias vãos - rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?

(...)

(Tradução de Augusto de Campos)

Posto a quem me apresentou ao poeta. Obrigado, muito obrigado por tudo... Até por tentar me fazer desacreditar destes castelos - falsos que crio em minha mente, fluxo-fruto da consciência que tenta mascaradamente ser positiva. Esforça-te em acreditar ou a vida pára. Ou a graça se esvai... e a beleza se transpõe ao dôlo enquanto discorre-se sobre a dialética do trato humano... Sobre a vida, que não vale a pena e a dor de ser vivida.

8 de abr. de 2007

Domingo de Páscoa.

Domingo de Páscoa. Os céus celebram um ano de seu recebimento.

Há um ano a terra perdia para os céus seu sorriso singelo e incomum, brilhante e quadradinho, de beleza infantil e ternura divina. Há um ano a família P. perdia um pequeno, a familia P. perdia a unidade, já frágil e constantemente ameaçada por sí própria, visto que em verdade nunca fôra conquistada. Há um ano a família P. perdia aquele pedaço tão intenso de vida, desfeito em lágrimas entornadas de maçã e soja.

Ainda me lembro de tê-lo pego no colo (recém-nascido e bebê), de seus pequenos primeiros - célebres primeiros - passos. De suas tão pequenas, irregulares e lindas orelhinhas, os dedinhos fofinhos que pareciam bananinhas-ouro, como os do pai... Me lembro da alegria da renovação causada pela nova linhagem dos P., os Pequenos, ele e outros dois pequenos... Me lembro dos avós alegres, de casas em festa, da bajulaçãozinha, dos mimos... Me lembro de como, envergonhado, encostava-se na parede e ia andando, lindo, de lado, com as mãozinhas para trás... e um olhar de indescritível ternurinha. Me lembro de uma urna branca, de pesares, de fardos de dor. E uma comitiva de anjos guiando a carreata fúnebre.

Sua ida impôs um temor imenso sobre outros P.'s genitores. E uma tristeza, a grande tristeza... Uma certa tristeza que vem e volta, uma tristezinha melancólica e incurável... A tristeza da privação daquilo que ainda não se havia tido. Nesses momentos não importam outras questões. Nada mais importa. Não importa a distância, não importa onde estão... Eu só queria as pessoas que amo juntinho de mim, e para sempre. Eu apenas quero, simplesmente espero, que possa tê-los eternamente, estar ao seu lado eternamente.


Domingo de Páscoa. Qual a tua beleza?
Aprecio bastante dias de chuva.

(Um arco-íris. Não simplesmente um arco-íris, mas dois, e não em um comum céu-azul de pós-chuva, sim um céu maciço de núvens vermelho-alaranjadas. Magnífico. o contraste tão agudo aos olhos de suas cores contra aquele céu laranja-acinzentado de nuvens, contra o prédio branco-envelhecido ao lado. É como se toda a atmosfera sorrisse. Já não venta e a chuva parou. Apenas l'arc en ciel. E as nuvens alaranjadas. Há alguns pedacinhos que podem ser tentativas de céu azul, exibindo as mais belas formas abstratas, exibindo os apêndices das nuvens que outrora pareciam trazer apenas aquela gravidade da química humana. O céu se torna um complexo arranjo de cores em tons de lilás e laranja, todos de extrema luminescência e delicadeza. A alegria de um fim-de-tarde em um Domingo de Páscoa. O arco, efêmero, se foi com o brilho das nuvens. Me sombram os cinzas, os negros, os ventos. O azul não aparece. A chuva voltou.)